José Márcio Maia Alves
Quem quer transparência, tem que participar
Cassius Guimaraes Chai
Improbidade Administrativa:
considerações acerca da proporcionalidade na aplicação das penalidades.
José Márcio Maia Alves
José Márcio Maia Alves
José Márcio Maia Alves [1]
O art. 129, inc. III, da Constituição Federal de 1988 trouxe como função institucional do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
A partir de uma acepção jurídica abrangente e à luz também do art. 21, da Lei nº 7.347/85 e da Lei nº 8.078/90, o que importa esclarecer quanto aos interesses coletivos é que seu conceito identifica-se com o que o administrativista italiano Renato Alessi chamou de interesse público primário. Este seria o interesse da comunidade, dos administrados e que poderia ser oponível até contra a própria Administração, devendo ser exercido preferencialmente por substituto processual extraordinário, como o Ministério Público. Duas razões há para isso: geralmente a diferença de poderio econômico entre lesado e transgressor é muito grande; e os interesses coletivos só refletem expressividade a ponto de estimular a demanda se vislumbrados numa perspectiva macro, ou seja, o benefício que o autor de uma ação teria como resposta ao seu interesse lesado individualmente seria sempre muito pequeno para que se visse disposto a travar uma batalha judicial. Em suma, a defesa do interesse coletivo em juízo não se identifica com a desigualdade de forças e com iniciativas desencorajadas pelo fato de se ver geralmente esse interesse, em uma ótica estritamente individual, deflagrável tão-somente para defesa de interesses disponíveis de pequena monta. O risco e o benefício da ação judicial não se equivalem para que um particular persiga a satisfação de um interesse que não é só seu.
Vale identificar as espécies de interesses coletivos amplamente considerados e traçar suas características.
Os interesses difusos ocorrem quando não se pode identificar um prejudicado determinado, sendo os sujeitos de direito integrantes de uma grande massa lesada. Não há também como se dividirem as parcelas do interesse lesado e as atribuir aos seus respectivos titulares, além de que o prejuízo sempre se origina de um fato comum que une os interessados em um só descontentamento. É exemplo clássico de interesse difuso o direito ao meio ambiental ecologicamente equilibrado.
Já nos interesses coletivos propriamente ditos os lesados são determinados, ou pelo menos determináveis, e sempre estão ligados entre si ou com o transgressor por uma relação jurídica-base, não havendo como se fragmentar ainda as parcelas de interesse. É exemplo o direito dos alunos de uma determinada escola de ter assegurada a mesma qualidade de ensino em determinado curso.
Por fim, os interesses individuais homogêneos confundem-se com os interesses meramente privados, pois há como relacioná-los com seus respectivos titulares, fragmentando-se as cotas dos direitos lesados. Entretanto, a sua homogeneidade é gerada por uma situação de fato comum. Enquadram-se comumente nessa espécie os prejuízos pecuniários efetivos de consumidores de bens e serviços. O reconhecimento dessa categoria de direitos metaindividuais nos Tribunais foi trabalhado, dentre outros casos, na discussão da ilegalidade de aumento de mensalidades escolares, tendo os responsáveis legais dos alunos efetivamente efetuado o pagamento abusivo. A ação foi movida pelo Ministério Público.
Apesar dessas diferenças conceituais, não raras vezes, peculiaridades de uma ou outra categoria desses interesses fundem-se, proporcionando-lhes a defesa coletiva sob diferentes focos, de acordo com a característica ressaltada pelo substituto processual no manejo da ação civil pública. O importante, portanto, é saber identificar quando o prejuízo causado por um evento transcende a esfera de interesse íntimo para propagar-se pela seara de insatisfações comuns a certa coletividade. Daí, vale encaminhar o caso ao Ministério Público para que seja avaliado e tomadas as providências cabíveis.
[1] Promotor de Justiça de Alto Parnaíba (MA)
Administração transparente é resultado de um controle eficiente e permanente.
Diante da certeza da escassez de recursos a sociedade precisa conjuntamente decidir como, quando e onde aplicá-los. E, sobretudo de saber quais e quantos são esses recursos.
Depois de quase duas décadas após o movimento das diretas já, depara-se a sociedade brasileira, além dos paradoxos então existentes, com aquilo que nominou o ex-ministro Jungman governo esquizofrênico. – As mesmas lutas sociais, as mesmas carências, o mesmo déficit social por um lado, e do outro um partido que representou essas angústias e idealizou e praticou a idéia de resistir o desmando e de buscar a igualdade mínima da satisfação das necessidades, desde sempre modernas, do homem.
De saída não se pode fugir ao fato de que quatro anos de mandato não corrigirão o déficit social de quase dois séculos de independência formal, ou quase doze décadas de república exclusão. – seja por que a independência restou como simbólica, seja porque a república instaurada era liberalista, como o eram seus progenitores e mantenedores. Velha ou Nova, a coisa não era a de todos.
- De todos apenas a dor.
Portanto, os cidadãos devem tomar para si sua história e buscar, no dia-a-dia, inteirar-se dos atos de governo, tomar conhecimento das decisões administrativas, das licitações realizadas pelos governos locais, fiscalizar de perto os serviços públicos oferecidos, com o próprio dinheiro público. É preciso uma ação continua e conjunta de toda a sociedade, de todos os seus seguimentos.
As eleições se avizinham, e se a política por amizade e simpatia, e não pela competência, for mantida, a miséria que faz morada no Maranhão continuará.
É preciso deixar firmado que votar e ser votado não traduz toda a participação e a força de controle que o povo pode e deve exercer em razão da administração pública.
Uma Administração transparente se realiza com o acesso da população à Justiça, com o diálogo entre os representantes dos Poderes Públicos locais e os eleitores. Realiza-se mediante o acompanhamento das atividades dos Conselhos Municipais, sabendo quais seus papéis, poderes e deveres, e como se constituem, aqui incluídos os conselhos de Alimentação Escolar, de Direitos, Tutelar, do Idoso, de Assistência Social, da Saúde, de Educação, bem como, ante participação efetiva nas audiências públicas determinadas e permitidas pelo Estatuto das Cidades, pelas ações de proteção ao Meio Ambiente, e quando das elaborações da Lei de Diretrizes Orçamentárias e do Plano Anual e Plurianual Orçamentário.
O certo é que há inúmeras oportunidades de participação e de intervenção popular na gestão da coisa pública.
O CIDADÃO DEVE CONTROLAR E PARTICIPAR DOS PROCESSOS LICITATÓRIOS DO SEU MUNICÍPIO.
Governo transparente é aquele que se sabe, no Estado Democrático de Direito, sujeito e submisso à lei, pois, essa sujeição visa a garantir e a proteger as liberdades públicas, a igualdade e a segurança de todos os direitos fundamentais. Os cidadãos devem sempre questionar a imparcialidade, a independência e a legitimidade daqueles que exercem funções públicas.
Quer saber onde estão a merenda escolar, o atendimento médico de qualidade, o salário em dias, a coleta de lixo, a educação de qualidade, o FPM, o FUNDEF? – Então, participe da administração pública fiscalizando e controlando.
considerações acerca da proporcionalidade na aplicação das penalidades
José Márcio Maia Alves[1]
A Lei n° 8.429/92 elencou em seus artigos de 9° a 11, as hipóteses de improbidade administrativa nas quais os agentes públicos podem incorrer, classificando-as quanto às que importam enriquecimento ilícito, quanto às que causam dano ao erário e, por fim, quanto às que tão-somente atentam contra os princípios da administração pública. Já no artigo seguinte, previu de forma “cumulativa” penalidades específicas para cada espécie de improbidade, como “feixes de sansões”[2] a figurarem como reprimenda judicial ao reconhecimento do ato ímprobo.
Em razão de o texto da lei que descreve os casos de improbidade assumir possibilidades abertas de adequações, posto que os seus arts. 9°, 10 e 11 descrevem, cada um, rol exemplificativo, impõe-se a assertiva de que é imprevisível o espectro de possibilidades a configurar-se como ato ímprobo. E essa diversidade, de qualquer sorte e numa leitura apressada da lei, permitiria que fatos mais ou menos graves, que causassem mais ou menos dano ao erário, fossem tratados à luz de um corte raso, todos merecendo as sanções “cumulativas” previstas nos incisos do art. 12, da Lei n° 8.429/92, correspondentes ali a cada uma das hipóteses de improbidade[3].
O primeiro indicativo de que essa superposição improbidade/sansões cumulativas deve passar por um crivo de adequabilidade considerando cada caso concreto encontra-se na própria “lei da improbidade”[4]. Surge então com grande força o argumento de que a quantidade de sanções e a intensidade de suas aplicações deverão passar por um juízo de proporcionalidade e razoabilidade, não sendo automática a aplicação das sanções previstas no art. 12, caso reconhecida a improbidade que se relaciona aos seus respectivos incisos.
À luz do art. 37, §4°, parte final, da Constituição Federal, surge logo o argumento de que essa proporcionalidade somente poderia operar no âmbito das gradações que a própria lei impusesse, ou seja, exemplificando, na hipótese do inc. I do art. 12, o juiz só poderia “dosar a pena” para delimitar por quantos anos, entre 8 e 10, o agente público teria suspensos os seus direitos políticos e de quanto seria a multa civil paga, considerado como máximo o quantum correspondente a três vezes o valor do acréscimo patrimonial. Assim, reconhecido o ato de improbidade administrativa na modalidade do art. 9°, não se discutiria que o agente deveria ter seus direitos políticos suspensos e que pagaria multa. A discussão seria tão-somente saber “quantos anos de suspensão” e qual o valor da multa, “se igual ou inferior ao limite estabelecido”. De resto, teriam ainda aplicação automática as sansões de “perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda de função pública e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.”
Mas esse esforço de raciocínio queda-se diante da casuística dos atos de improbidade administrativa que cada vez mais ensejam a aplicação do princípio da proporcionalidade em três níveis, a fim de evitar exageros despropositados: a um, para considerar se o ato dever ser considerado ímprobo diante do seu grau de lesividade; a dois, para que o juiz delimite quantas das sanções cominadas aplicará[5]; e, a três, para que estabeleça o quantum da pena aplicada, considerada a gradação oferecida pela própria lei para algumas penalidades.
Em sentido amplo o princípio da proporcionalidade deve reger-se por três “elementos parciais”: pertinência ou aptidão; necessidade; e proporcionalidade em sentido estrito. No primeiro, será avaliado se determinada medida é o meio certo para levar a cabo um fim baseado no interesse público; na aquilatação do segundo, a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja; e quanto ao terceiro, há que se pesar os princípios ou regras postos à ponderação e ao embate, devendo sempre preponderar o que representar o meio que levar mais em conta o conjunto de interesses em jogo”[6].
Isso significa dizer que o juízo de proporcionalidade em caso de improbidade deverá perquirir se a penalidade e sua respectiva dosagem são aptas a representar reprimenda ao ato de reconhecida improbidade, se essa aplicação é necessária para se chegar a essa resposta de repressão e se as penalidades se adequam como resposta suficiente, considerada a gravidade da improbidade.
Além do passeio por esses requisitos gerais, a melhor doutrina prega que a proporcionalidade deve representar uma espécie de “dosimetria” semelhante ao que se convencionou chamar na esfera criminal de “individualização da pena”. Por esse raciocínio, mutatis mutandis, deve ser aferida “a valoração acerca da personalidade do agente, de sua vida pregressa na administração pública, do grau de participação no ilícito e dos reflexos de seus atos na organização deste e na consecução do seu desiderato final, qual seja, o interesse público. Afora tais elementos, deverá o juízo valorar a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente, únicas diretrizes traçadas pela Lei de Improbidade (art. 12, parágrafo único)”[7].
De certo, esses critérios parecem ser razoáveis para se estabelecer a suficiência da aplicação, cumulativa ou não, das diversas espécies de penalidades previstas na legislação, com suas respectivas gradações impostas por lei, quando isto ocorrer. Mas outros parâmetros também podem ser importantes. Veja-se, a propósito, lapidar voto do Ministro Luiz Fux – mais pelos argumentos esposados do que por seu dispositivo[8]. Com efeito, fazendo uma digressão acerca da aplicação do princípio da proporcionalidade nos casos de improbidade administrativa, S. Exa. pontuou com propriedade os tópicos que, a seu juízo, são de observância necessária para que se faça uma acertada “individualização da pena”: “a) a lesividade e a reprovabilidade da conduta do agente ímprobo; b) o elemento volitivo – se o ilícito foi praticado por dolo ou culpa; c) a consecução do interesse público; e d) a finalidade da norma sancionadora”[9].
À guisa de conclusão, diz-se que, de qualquer sorte, a aplicação do princípio da proporcionalidade para se estabelecer quantas das penalidades previstas na lei devem ser aplicadas e em que gradação devem ser impostas quando a lei prever variação parece razoável e de reconhecida aceitação nos tribunais. Em razão disso, é preciso que os órgãos do Ministério Público estejam atentos para argumentar acerca dos seus critérios à luz do caso concreto, de forma a buscar uma condenação por improbidade administrativa que, longe de excessos, represente a adequada reprimenda ao ato praticado, considerando sempre seu grau de lesividade ao interesse público.
[1] Promotor de Justiça de Alto Parnaíba (MA)
[2] A expressão “feixe de sansões” é utilizada pelo professor Emerson Garcia em artigo publicado na RT 833/738, quando aduz que mesmo que um único fato implique o reconhecimento da improbidade em múltiplas modalidades previstas na Lei n° 8.429/92, haverá somente a aplicação de um dos “feixes de sanções” previstos no art. 12, da referida lei, elegendo-se sempre o mais severo como resposta à espécie de improbidade mais grave reconhecida em razão do fato único. Sintetiza seu pensamento nesse sentido, dizendo que “nessa linha, havendo múltipla subsunção, normalmente serão aplicadas as sansões do inciso I do art. 12, cujos valores são mais elevados”.
[3] Esse raciocínio é deduzido de uma leitura literal do texto da lei que, segundo o professor Emerson Garcia, “conduziria à conclusão de que um agente público que anotasse um recado de ordem pessoal em uma folha de papel da repartição pública incorreria nas sanções do art. 12, II, da Lei 8.429/92, já que causara prejuízo ao erário”.
[4] Lei n° 8.429/92. “art. 12. [...] Parágrafo Único: na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.
[5] Incursionando acerca da proporcionalidade e referindo-se a quantas das sanções previstas devem ser aplicadas para a reprimenda do ato de improbidade, Emerson Garcia ilustra o seu pensamento ao dizer que “a aplicação das sanções de perda de função e suspensão dos direitos políticos ao agente que culposamente dispense a realização de procedimento licitatório apresenta-se em flagrante desproporção com o ilícito praticado. Em situações como esta, entendemos que o órgão jurisdicional deve proceder à verificação da compatibilidade entre as sanções cominadas, o fim visado pelo legislador e o ilícito praticado, o que redundará no estabelecimento de um critério de proporcionalidade.”
[6] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo, Malheiros, 2004, p.396/398.
[7] GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa. RT833/735
[8] A improbidade reconhecida enquadrava-se nas três modalidades previstas na Lei n° 8.429/92 (arts. 9°, 10 e 11). O caso tratava de vereadores que tinham percebido subsídios acima do permitido por lei e a condenação e 1ª e 2ª instâncias foi no sentido de se aplicarem todas as penalidades previstas no art. 12, I, II e III, considerada sempre a apenação mais grave. O Ministro usou a proporcionalidade para manter tão-somente a restituição ao erário. O equívoco da decisão está em, com isso, tão-somente ter restabelecido o status quo, sem impor qualquer pena para a improbidade, sequer de multa civil. O voto do Ministro foi acompanhado por seus pares.
[9] STJ. Recurso Especial n° 664.856 – PR (2004/0079814-0). Rel. Ministro Luiz Fux.
A Constituição Federal de 1988 instituiu no Brasil um Estado Democrático de Direito em que, além dos direitos de defesa, inerentes à liberdade e que implicam exigir do Estado o abandono das arbitrariedades para a manutenção do “status quo” do indivíduo, consagrou-se também, com grande força, um ideal antiliberal representado pela inserção dos direitos a prestação material no plano constitucional dos direitos fundamentais, sendo obrigação do Estado promover a igualdade dos indivíduos com oportunidade digna a todos de “educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados” (art. 6º, caput).
A conquista dessa previsão constitucional não soou do acaso. Sua trajetória revela um intenso debate de idéias concentradas principalmente na Europa durante séculos, com repercussões concretas desde a ascensão do jusnaturalismo.
Quando o direito natural se desvinculou de sua concepção religiosa, surgiu a crença em um espaço de integridade humana a ser preservado com ênfase na natureza e na razão humana e não mais na origem divina[2].
Então, na esteira da história, desenvolveram-se e se sedimentaram os direitos fundamentais. Os de primeira geração, típicos do Estado Liberal em que se impôs uma ruptura entre Estado e Sociedade, sugeriam que esta exigisse daquele uma postura negativa para a preservação da liberdade e de seus atributos. Para implementar isso e evitar o retrocesso, a codificação e constitucionalização desses direitos criaram as bases para a ascensão do positivismo.
Mas o ideal burguês do Estado-mínimo não resistiu à necessidade de o próprio Estado ter que atuar como garantidor dos direitos básicos do cidadão, de forma a proporcionar um equilíbrio de sustentabilidade social através de um corte raso no que diz respeito à provisão de um mínimo existencial. Exsurge então a necessidade de implementação dos direitos de igualdade e, com eles, a sua previsão normativa com status constitucional, seguida da necessária efetividade dos direitos sociais[3].
Contudo, o que se vê é uma crise de efetividade desses direitos que ora se firma através dos resquícios de uma hermenêutica constitucional construída sob a égide de um Estado [neo] liberal, ora em criações jurídicas de contenção por parte do Poder Executivo, sobretudo na seara do Poder Discricionário.
Os direitos sociais a prestações materiais, embora na mesma hierarquia constitucional dos direitos de defesa, porquanto juntos a estes titulados de direitos fundamentais pelo constituinte, assumem o estigma de sub-direitos, não auto-aplicáveis e que só merecerão efetividade se sua conveniência guardar convergência com a discricionariedade administrativa. E aqui importa pontuar que os direitos sociais relativos à criança e ao adolescente padecem desse estigma, eis que sua efetividade enfrenta costumeiramente as barreiras da discricionariedade, muito embora a própria Constituição assevere que devem ser tratados com “absoluta prioridade”.
É por essa órbita que gravita o ponto de estrangulamento da discussão que se propõe: o que é de absoluta prioridade deve estar sujeito a aferições de conveniência e oportunidade? E mais: afora a reconhecida prioridade, como se comporta a efetividade desses direitos [considerados princípios pelo constituinte] sob a ótica de uma hermenêutica constitucional contemporânea que opera à luz do poder normativo dos princípios?
A efetividade dos direitos sociais, apesar de significar o exaurimento de normas constitucionais de eficácia plena[4], passa necessariamente pela compatibilidade orçamentária do Estado em poder provê-la. Isso se dá porque os direitos sociais têm características eminentemente de direitos positivos que reclamam uma prestação material às expensas do Poder Público. Mas esse argumento, que funda a teoria da reserva do possível, não deve se impor diante da necessária oferta pelo Estado das condições materiais de existência dos indivíduos.
Vale frisar que condições mínimas de sobrevivência digna aos administrados devem estar à frente de qualquer pretensa prioridade administrativa. O mínimo existencial deve ser tratado como núcleo material do princípio da dignidade humana[5], sob pena de, assim como os atos comissivos da Administração que contrariam a Carta Magna são declarados inconstitucionais, os omissivos também serem assim tratados e merecerem uma prestação jurisdicional conformativa ao desiderato de prioridade eleito pela própria Constituição.
Com efeito, mutatis mutandis, se uma norma atinge o princípio de tal forma que deverá ser considerada inconstitucional, a omissão do Poder Público que produz o mesmo efeito prático violará igualmente o núcleo do princípio em questão[6].
Quer-se dizer que, se o legislador elegeu os direitos à prestação material à criança e ao adolescente como de “absoluta prioridade” no texto constitucional, as políticas públicas devem guardar especial atenção a essas espécies de direitos sociais setorizados. Se isso não se verificar, o Judiciário estará legitimado a, sem prejuízo do prestígio ao princípio da separação dos poderes, adequar a atividade estatal à escala de interesses eleita pelo constituinte, sem que isso signifique intervenção no “mérito administrativo”.
Como dito antes, em um espectro de direitos sociais mais aberto, a sua efetividade, ou eficácia social, deve estar garantida na oferta do mínimo existencial, sob pena de a omissão estatal nesse sentido restar eivada de inconstitucionalidade. E repita-se: ao não atender tais metas minimamente, seja por não adotar qualquer política pública de efetividade dos direitos fundamentais, seja por adotar políticas claramente deficitárias, privilegiando outras metas que não as constitucionalmente estabelecidas, poderá incidir o controle jurisdicional, preservando-se a própria força normativa da Constituição[7].
A bem do razoável, o fim do interesse público que dita os atos administrativos deve observar uma escala de prioridade conceitualmente endógena, pois a finalidade da administração é, em primeiro lugar, a satisfação do interesse público primário[8], do “bem comum”, devendo este ser o norte da Administração. Somente em segundo plano viria o interesse público secundário, de interesse da própria administração e deflagrador de políticas públicas não-prioritárias.
Pragmaticamente, no sentido do que assevera o texto constitucional, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 4°, vale dizer que por absoluta prioridade entende-se que, na área administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, posto de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deveriam asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos, etc., porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante[9].
Diante desse raciocínio, não seria forçoso concluir, ainda que tão-só sob o primeiro prisma sugerido ao debate [de se indagar se o que é de absoluta prioridade deve estar sujeito a aferições de conveniência e oportunidade], que o exercício do poder discricionário, em que se pondera acerca do que é mais ou menos relevante, deve se pautar primeiramente segundo o que foi eleito como prioritário pelo próprio constituinte. E é nessa seara que se afirma que antes de qualquer mérito que corresponda ao interesse público secundário, o interesse público primário de proteção e efetividade na prestação dos direitos material afetos à criança e ao adolescente deve se impor, seja de forma espontânea através das políticas públicas prioritárias adotadas pela Administração, seja pela imposição de políticas públicas desse jaez através da atividade jurisdicional.
Impende notar, porém, que essa busca só é fecunda se suscitada através de um constante exercício de cidadania da sociedade civil organizada. É preciso que cada vez mais as entidades não-governamentais se envolvam com os problemas da infância e da juventude do ente federativo que constituem e cobrem a implementação desses direitos a prestação material de sorte a fazer valer o comando constitucional no plano das políticas públicas.
Exemplo disso foi a criação do projeto PACAUS – Programa de Atendimento à Criança e ao Adolescente[10], de iniciativa da Promotoria de Justiça de Urbano Santos/MA e que contou em sua elaboração com a participação de representantes de várias entidades da sociedade civil organizada. O projeto visa debelar vários pontos nefrálgicos que afetam a sociedade urbano-santense, tais como: implementação efetiva de medidas sócio-educativas de meio aberto; informações e esclarecimentos às famílias acerca de temas propulsores da delinqüência; disciplinamento de eventos de entretenimento; potencialização quantitativa e qualitativa do policiamento; profissionalização; promoção de atividades culturais, esportivas e de lazer; socialização de ambientes festivos; monitoramento da evasão escolar e da repetência; promoção de políticas públicas municipais e policiais com vista à erradicação dos agrupamentos criminosos; orientações sexual e religiosa; e encaminhamento a outros programas.
O projeto conta com um plano de trabalho para cada uma dessas declarações de necessidades e foi aprovado por unanimidade pela Câmara Municipal de Urbano Santos, tornando-se, portanto, um programa público-municipal e que, à luz do princípio da “absoluta prioridade”, deverá contar com verba especialmente alocada para a sua execução.
Outro foco sob o qual o problema da crise de efetividade social dos direitos a prestações materiais à criança e ao adolescente deve ser enfrentado é o novo conceito de hermenêutica constitucional, assentado na exegese do poder normativo dos princípios.
Diferente das regras constitucionais, cujo choque de aplicação é necessariamente dissolvido no âmbito da validade de uma em detrimento da outra, os princípios adquiriram com o pós-positivismo um poder normativo que revela uma incompatibilidade peculiar de se resolver choques entre um e outro mediante a técnica da subsunção.
É que princípios contêm, normalmente, uma maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante, e indicam determinada direção a seguir. Ocorre que, em ordem pluralista, existem outros princípios que abrigam decisões, valores ou fundamentos diversos, por vezes contrapostos. A colisão de princípios, portanto, não só é possível como faz parte da lógica do sistema, que é dialético. Por isso a sua incidência não pode ser posta em termo de tudo ou nada, de validade ou invalidade. [...] A aplicação dos princípios se dá, predominantemente, mediante ponderação[11].
Em que pese o princípio da absoluta prioridade dos direitos da criança e do adolescente possa ser exigido e efetivado sob o prisma da eficácia positiva ou simétrica[12], porquanto seu comando se assemelha aos típicos das normas-regras, a sua efetividade enquanto direito social a prestações materiais parece gravitar sobre uma necessária ponderação de valores sugerida para a solução do conflito entre princípios, que deve se nortear pela noção de fundamentalidade social à luz do conceito de dignidade humana.
A contrário sensu, é certo que a fundamentalidade social conduz logicamente à modalidade de eficácia mais consistente possível, apenas excepcionalmente, e diante de argumentos muito bem fundados, uma norma a que se reconhece grande fundamentalidade social [e o princípio da absoluta prioridade sugere os direitos da criança e do adolescente nessa categoria] não disporá da modalidade de eficácia positiva ou simétrica[13]. Isso quer dizer que, a priori, a efetividade desses direitos já seria exigível na forma de prestações positivas do Estado, mesmo que judicialmente, sem se cogitar em mácula ao Princípio da Separação dos Poderes.
Porém, sem refutar outras construções doutrinárias, essa perquirição sugere e se reforça com o uso do princípio instrumental da proporcionalidade sobre o choque entre o princípio da prioridade absoluta dos direitos da criança e o poder discricionário da Administração fincado no princípio da separação dos poderes.
É sabido que a proporcionalidade na aplicação dos princípios deve ser aferida mediante a observância de três elementos: pertinência e aptidão, necessidade e a proporcionalidade propriamente dita.
Quanto ao primeiro, cumpre verificar se determinada medida é o meio adequado para levar a cabo um fim baseado no interesse público. A partir dessa premissa e focando esse interesse, como dito antes, sob a acepção do interesse público primário, é razoável admitir que, se os direitos a prestação material afetos à criança e ao adolescente são de “absoluta prioridade” e, ainda assim, estão sendo sonegados sob o argumento da discricionariedade, exigi-los judicialmente como implementação de um mínimo existencial seria prestigiar o comando normativo do princípio estampado no art. 227, da Constituição Federal.
Já quanto ao segundo elemento da proporcionalidade, há que se aferir se a medida pretendida como elevação do princípio posto em choque com outro é necessária para se atingir o fim almejado. Por palavras abalizadas, a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja[14], ou uma medida para ser admissível deve ser necessária[15].
Para essa investigação, vale observar que a omissão do Poder Público na adoção de políticas públicas que visam garantir a oferta das circunstâncias materiais dos direitos da criança revelam por si só a necessidade de provimento jurisdicional que retome a escala de prioridades eleitas pelo constituinte, em cujo topo habitam os direitos aqui em discussão em razão do princípio da absoluta prioridade. Vale dizer: se o administrador não oferece formas de efetividade dos princípios de “eficácia plena”, a efetividade positiva é necessária através da tutela jurisdicional.
Por fim, como último elemento da análise da proporcionalidade, tem-se a proporcionalidade propriamente dita entre os dois princípios constitucionais postos em choque. Aqui a pesquisa passa pelo que existe de mais forte de um e outro lado, retrai em um exercício de cessão mútua no intuito de se preservar a força normativa de ambos, até que o intérprete, se não encontrar uma forma de adequar o sentido do princípio ao caso concreto, afasta-o acolhendo o outro em razão da prevalência de seu comando. A escolha recai sobre o meio ou os meios que, no caso específico, levarem mais em conta o conjunto de interesses em jogo[16].
Incursionando por essa tarefa, imprescindível pontuar os argumentos basilares de um e outro princípio ora em confronto:
A favor do poder discricionário milita a exegese do princípio da independência e harmonia entre os Poderes, no sentido de que cabe ao administrador escolher, ao seu talante, o momento adequado [conveniência e oportunidade] de investir em determinada área de gestão, devendo dar preferência ao que soa como prioritário e urgente e que seja de interesse dos administrados, não sendo lícito ao Judiciário, substituir a vontade do administrador pela do magistrado.
Soma-se também ao seu favor o argumento de que medidas que efetivam os direitos da criança e do adolescente devem se identificar com o que urge e é necessário nessa seara, de acordo com o que clama a população ou o que sugere pesquisa do Poder Público com vista a identificar essas carências. E se não há clamor específico na área, não há necessidade de investimento. E mais: medidas de prestação material nessa área implicam gastos que, por razões de escassez, devem ser alocados para iniciativas dessa natureza que beneficiem a população como um todo.
De certo, os argumentos são fortes, até porque a discricionariedade é consectário do princípio fundamental da separação dos Poderes, assim reconhecido no texto constitucional[17].
Mas em favor da necessidade de efetivação dos direitos sociais na seara da infância e da juventude há também fortes argumentos. Veja-se:
A fundamentalidade social do princípio da absoluta prioridade incrustado aos direitos sociais de prestação material afetos à criança deve ser aferida, como de regra, tendo como subsídio uma abordagem filosófica, política e sociológica de que ele tem sido objeto em determinada época ou grupo social[18].
Nesse contexto, parece difícil sobrepor a “conveniência” da Administração Pública de optar prioritariamente por posturas convergentes ao interesse público secundário quando os entes federados no Brasil como um todo amargam vergonhosos índices de subnutrição e mortalidade infantil, evasão escolar, repetência, gravidez precoce, de menores inseridos cada vez mais cedo na criminalidade, desamparados à própria sorte ou à de suas miseráveis estruturas familiares, dentre outras causas que justificam o status de “prioridade absoluta” reconhecido à causa da juventude pelo constituinte.
Diante desses fatos, ratifica-se cada vez mais a assertiva de que a proteção do menor, com prioridade absoluta, não é mais obrigação exclusiva da família e do Estado: é um dever social. As crianças e os adolescentes devem ser protegidos em razão de serem pessoas em condição peculiar de desenvolvimento[19].
Não vale também o argumento de que não se identificam a priori as medidas específicas e necessárias ao atendimento da gestão da infância e juventude. É que o Estatuto das Cidades prevê a exigência da participação popular da elaboração da Lei Orçamentária Anual[20] e o cumprimento dessa norma significa a obrigação do administrador público de sugerir e perguntar à população, em audiência pública, o que corresponderia o atendimento, primeiramente, nas áreas que a Constituição e as leis estabelecem como prioritárias. Ter-se-ia aí um espaço fecundo de discussões em que, certamente, surgiriam excelentes e executáveis propostas de políticas públicas contempladores dos interesses dos menores.
Da mesma forma, o argumento da escassez orçamentária não se sustentaria, pois, como dito, as verbas devem ser alocadas prioritariamente ao que assim é considerado pelo legislador e, principalmente, pelo constituinte, como é o caso da criança e do adolescente[21].
E como agenda mínima, é bom que se esclareça: ofertar dignidade à criança e ao adolescente, princípio este que é corolário da Carta Magna de 1988, é lhes oferecer o mínimo existencial material, sob pena de omissão administrativa nesse sentido configurar inconstitucionalidade passível de ser sanada pela prestação jurisdicional conformativa ao objetivo de prioridade eleito pela própria Constituição.
E que se diga, então, a guisa de conclusão: no âmbito da prestação jurisdicional, não há como a discricionariedade administrativa subsistir para dar azo ao administrador escolher se é a hora ou não de investir na proteção da criança e do adolescente, visto que o constituinte impôs essa obrigatoriedade com absoluta prioridade. Esse raciocínio aponta, assim, num exercício de proporcionalidade, para a ascensão desse princípio em detrimento da discricionariedade, devendo o Judiciário obrigar que o Estado assim se comporte quando não o fizer espontaneamente, com a demonstração de posturas administrativas concretas de proteção à juventude.
Com efeito, e por fim, quando o Poder Judiciário determina o cumprimento de determinada obra por parte do Poder Executivo, não está ferindo o princípio da tripartição dos poderes, nem o livre arbítrio do administrador. Apenas confirma a disposição constitucional da absoluta prioridade, que está acima da avaliação de oportunidade e conveniência dos atos administrativos[22].
[1] Promotor de Justiça em Alto Parnaíba/MA
[2] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Ed. Saraiva. São Paulo: 2004. p. 319
[3] Enquanto nos direitos de defesa exige-se do Estado uma omissão para a efetividade do direito, nos direitos sociais, ou de prestação material, exige-se do Estado uma postura comissiva.
[4] José Afonso da Silva entende como normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata aquelas que o constituinte deu normatividade suficiente aos interesses vinculados à matéria de que cogitam.
[5] Constituição Federal, art. 1°, III.
[6] BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa humana. Ed. Renovar. Rio de Janeiro: 2002. p. 193.
[7] REIS, Carlos Bernardo Alves Arão. Noções acerca da efetividade dos direitos fundamentais sociais como limite à discricionariedade administrativa. Artigo publicado em “A efetividade dos direitos sociais”. Coordenador Emerson Garcia. Ed. Lúmen Júris. Rio de Janeiro: 2004. p.371
[8] Renato Alessi classifica o interesse público em primário e secundário. O primário seria o interesse da comunidade, dos administrados e que poderia ser oponível até contra a própria Administração, devendo ser exercido preferencialmente por substituto processual extraordinário, como o Ministério Público. (Renato Alessi. apud VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública. Ed. Atlas. São Paulo: 1998. p. 36)
[9] LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Ed. Malheiros. São Paulo: 2006. p.19
[10] A íntegra da redação do projeto está disponível, a pedidos, através do e-mail: jmarcio_alves @terra.com.br
[11] BARROSO, Luís Roberto, ob. cit. p. 328
[12] BARROSO, Luís Roberto. Ob. Cit. p. 337. Na lição do professor fluminense, eficácia jurídica positiva ou simétrica é o nome pelo qual se convencionou designar a eficácia associada à maioria das regras. Embora sua enunciação seja bastante familiar, aplicação da eficácia positiva aos princípios ainda é uma construção recente. Seu objetivo, no entanto, seja quando aplicável a regras, seja quando aplicável a princípios, é o mesmo: reconhecer àquele que seria beneficiado pela norma, ou simplesmente àquele que deveria ser atingido pela realização de seus efeitos, direito subjetivo a esses efeitos, de modo que seja possível obter a tutela específica da situação contemplada no texto legal. Ou seja: se os efeitos pretendidos pelo princípio constitucional não ocorrerem - , a eficácia positiva ou simétrica pretende assegurar ao interessado a possibilidade de exigi-los diretamente, na via judicial se necessário.
[13] BARCELLOS, Ana Paula de. ob. cit. p. 85
[14] Ulrich Zimmerli apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Ed. Malheiros. São Paulo: 2004. p. 397
[15] Hans Huber. idem. p. 397
[16] Pierre Muller, idem. p. 398
[17] Constituição Federal, art. 2°.
[18] BARCELLOS, Ana Paula de. ob. cit. p. 85
[19] PEREIRA, Tânia da Silva. O melhor interesse da criança. Artigo publicado em “O Melhor Interesse da Criança: um debate interdisciplinar. Coordenação de Tânia da Silva Pereira. Editora Renovar. Rio de Janeiro e São Paulo: 2000. p. 14.
[20] Lei 10.257/2001:
Art. 4º Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
(omissis)
III - planejamento municipal, em especial:
(omissis)
e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
(omissis)
§ 3º Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.
[21] Constituição Federal, art. 227.
[22] BRANCHER, Naiara. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o novo papel do Poder Judiciário. Artigo publicado em “O Melhor Interesse da Criança: um debate interdisciplinar. Coordenação de Tânia da Silva Pereira. Editora Renovar. Rio de Janeiro e São Paulo: 2000. p. 147.
O instituto da coisa julgada é corolário da segurança jurídica no sistema jurídico brasileiro, pois, depois de esgotados os recursos oponíveis ao julgado, aqui feita a ressalva à possibilidade de propositura de ação rescisória, o fato que compõe a lide tem seus contornos fixados por definitivo, subsumindo-se ao manto da imutabilidade.
Distante de ser efeito da sentença, a coisa julgada apresenta-se, na verdade, como evento deflagrador do status de imutabilidade desses efeitos, ou seja, uma qualidade que adquirem com o trânsito em julgado da sentença, por meio da qual se impede que as partes discutam a mesma causa novamente[2].
O fenômeno da coisa julgada é instituto de origem remota no Direito, de origem européia, cujos fundamentos se desenvolveram tendo como foco o interesse meramente individual posto à apreciação do Estado-Juiz. Cândido Rangel Dinamarco traduz bem as características da nossa herança romana acerca das bases estruturais da coisa julgada quando afirma que surgiram adstritas ao que denominou “singularidade da tutela jurisdicional”. Sob esse paradigma, o conceito da coisa julgada sugeria de forma peremptória uma “legitimidade necessariamente individual, efeitos da sentença limitados exclusivamente às partes, e limitação subjetiva rigorosa da sua autoridade”. Arremata Dinamarco: essa tríade criou e sedimentou a tradição de um processo marcado pelo individualismo, característico do sistema processual europeu-continental, ao qual nos filiamos[3].
Mas as relações sociais evoluíram e a proteção dos bens jurídicos distintos dos meramente individualistas impôs à técnica jurídica uma mudança de paradigma que daria novos contornos ao instituto da coisa julgada, sobretudo no que diz respeito à imutabilidade dos efeitos subjetivos da sentença. É que com a queda do Estado Liberal e a sedimentação dos direitos de segunda e terceira gerações ao longo da história, passando pelo Estado Social até migrar para o Estado Democrático de Direito, fez-se necessária a adoção de critérios jurídicos que implicassem impacto molecular dos efeitos das sentenças e não atomizados, de sorte a beneficiar toda a coletividade quando o objeto das demandas fosse de caráter coletivo apto a defender em juízo, através de substitutos processuais, direitos sociais[4] e de solidariedade[5], afetos até à própria existência humana.
Mas o ponto de estrangulamento da questão repousava na necessidade de se garantir o contraditório e a defesa de quem teria o seu interesse discutido em juízo sem oficialmente compor a lide, diga-se, em uma espécie de representação não autorizada expressamente.
Os Estados Unidos tomaram a dianteira, tendo os seus doutrinadores desenvolvido o que chamaram de representatividade adequada. Através desta um ente que congregasse o interesse de uma coletividade de pessoas poderia levar a juízo o interesse metaindividual reclamado, e, como representante desses interessados, exerceria em seus nomes no processo, em uma espécie de ficção jurídica, imprescindíveis os direitos à defesa e ao contraditório.
Sem renunciar a princípios já arraigados no sistema processual desde o império da chamada singularidade da tutela jurisdicional, esse modelo americano visava contemplar a necessidade de otimização da prestação jurisdicional ao proporcionar a obtenção de uma prestação jurisdicional com efeitos plurissubjetivos.
O mecanismo baseia-se na concepção de que o esquema representativo é apto a garantir aos membros da categoria a melhor defesa judicial, a ponto de afirmar-se que, neste caso, o julgado não atuaria propriamente ultra partes, nem significaria real exceção ao princípio da limitação subjetiva do julgado, mas configuraria antes um novo conceito de representação substancial e processual, aderentes às novas exigências da sociedade[6].
Mas a representatividade adequada americana padece de garantias ao representado involuntário na medida em que a ele se estendem os efeitos da coisa julgada tanto em caso de deferimento do pedido formulado na ação proposta pelo seu representante fictício, quanto no caso de indeferimento, causando, com isso, um ônus significativo a quem efetivamente não teve oportunidade de defesa ou ao contraditório. Além disso, essa representatividade pode sofrer mitigações diante do fato de ter que passar por um controle judicial, antes de se adentrar na efetiva instrução processual para a análise do mérito.
O modelo brasileiro inova nesses aspectos ao impor a representatividade ex vi legis aos legitimados à propositura da ação civil pública[7] e ao impor a imutabilidade dos efeitos da decisão de acordo com o resultado do processo. É o que se convencionou chamar de coisa julgada secundum eventum litis.
Segundo a lei da ação civil pública (LACP), “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator[8], exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova[9]”.
Vê-se, então, que a lei previu garantias ao interessado representado[10] quanto à sua eventual má representação ou à desídia na persecução eficaz dos meios de prova aptos a subsidiar uma prestação jurisdicional positiva. Com efeito, segundo a regra da LACP, somente em caso de deferimento do pedido formulado na inicial os efeitos subjetivos da sentença alcançarão toda a coletividade de representados; em caso de indeferimento por insuficiência de provas, abre-se nova possibilidade de se discutir o caso por iniciativa de qualquer legitimado para a ação civil pública, desde que apresentadas novas provas.
Aqui uma observação importante: essa medida evita conluios entre demandados no processo coletivo e entes legitimados ativos sugestionáveis com o intuito de obter uma sentença que exonere os primeiros de garantir o interesse lesado por deficiência no carreamento ao processo de provas hábeis e eventualmente disponíveis. Atente-se, ainda, que, em casos desse jaez, a persecução por uma sentença que declare a insuficiência de provas deverá ser exercida pelo Ministério Público, que funcionará nos processos que envolvam interesse coletivo na função de custus legis, quando não for o autor da ação[11].
Mas é importante deixar claro que a coisa julgada secundum eventum litis garante a extensão dos efeitos erga omnes da sentença quando, embora disponha de provas que em tese seriam suficientes e que poderiam subsidiar uma decisão favorável no mérito, o Juiz julga improcedente o pedido por entender que elas não sugerem esse resultado. Transitando em julgado essa decisão, qualquer legitimado coletivo ficará impossibilitado de propor novamente a demanda, ficando ressalvado, entretanto, os direitos individuais dos integrantes da coletividade ou do grupo, categoria ou classe, nos termos do §1º, do art. 103 do Código de Defesa do Consumidor (CDC)[12], que poderão reclamar em juízo seus prejuízos em razão mesmo fato, devendo provar também os demais elementos do ato ilícito cível.
Em que pese as salutares disposições da coisa julgada secundum eventum litis trazidas pela Lei nº 7.347/85, a disciplina do Código de Defesa do Consumidor foi bem mais elaborada. Prevê (art. 103 e seus incisos) uma determinada eficácia da coisa julgada para cada uma das modalidades de interesses supra-individuais. Utiliza, ainda, uma linguagem bem mais apurada, abandonando a única expressão identificadora dos limites subjetivos (erga omnes)[13].
Sempre remetendo à disciplina das espécies de interesse metaindividuais descritos no art. 81[14] do CDC, o art. 103 desse mesmo Estatuto é preciso quanto aos efeitos da sentença proferida em ações coletivas.
Quanto aos interesses difusos, o CDC não inovou quanto às demandas que são julgadas improcedentes por insuficiência de provas. Nesse caso, reproduziu-se a regra do art. 16 da LACP, abrindo-se a possibilidade de qualquer outro legitimado coletivo poder intentar a mesma ação, desde que com base em novas provas, pois não se operam os efeitos da coisa julgada material. A essa modalidade de efeitos da sentença subjaz uma espécie de extinção do processo sem apreciação do mérito com efeitos mitigados. Isso porque o autor não poderá renovar a ação tão-somente com a superação das causas periféricas de extinção elencadas pelo art. 267, do Código de Processo Civil (CPC), como é de se concluir da interpretação do art. 268, do mesmo Código, mas só poderá fazê-lo se dispuser de novas provas que possam afirmar a mesma pretensão antes deduzida em juízo.
Já quando o processo que versar sobre interesse difuso for julgado no mérito, cabe distinguir: se procedente, a sentença terá efeitos erga omnes e poderá ser invocada por prejudicados individuais em suas ações autônomas, para onde se transportarão seus efeitos in utilibus, sempre se observando a regra do art. 104 do CDC para o caso de ações individuais já terem sido propostas[15]; se improcedente no mérito, os efeitos da sentença também serão erga omnes e nenhum outro legitimado coletivo elencado no art. 82 do CDC poderá propor nova ação pelos mesmos fundamentos. Mas não fica preclusa a via às ações individuais, com idêntico fundamento, por iniciativa dos titulares de interesses e direitos pertencentes pessoalmente aos integrantes da coletividade[16].
Ponto que causou controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais quanto à extensão dos efeitos erga omnes da sentença de procedência do pedido formulado em ação civil pública que tratasse de interesse difuso foi a hipótese de o fundamento da decisão com esses efeitos tratar de inconstitucionalidade de lei pela via de exceção. É que nesse caso, como os efeitos da sentença se operariam erga omnes, os da declaração de inconstitucionalidade incidental também o acompanhariam, fazendo exsurgir uma espécie de usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal que é o órgão jurisdicional com poderes para reconhecer a pecha de inconstitucionalidade com efeitos universais.
Mas a questão foi dirimida tendo-se reconhecido que as argüições de inconstitucionalidade pelo meio difuso devem ser tratadas como questões prejudiciais. E isso sugere que não fará coisa julgada entre as partes, tanto em demandas coletivas como em individuais, porque serão avaliadas pelo magistrado antes do julgamento da causa. Com efeito, “o que faz coisa julgada é exclusivamente o julgamento da questão principal, e nenhuma diferença faz que a sentença que passa em julgado tenha eficácia inter partes ou erga omnes”[17].
No que tange aos processos que versem sobre interesse coletivo stricto sensu, a disciplina dos efeitos da sentença se repete tanto no caso de procedência, ou nos de improcedência de mérito ou por insuficiência de provas. A única diferença é que os efeitos das sentenças que julgam o processo no mérito devem se impor aos integrantes do grupo, categoria ou classe, substituídos na relação processual, tudo em consonância com o que trata o art. 81, Parágrafo Único, inc. II, do CDC acerca dos sujeitos de direito dessa espécie de interesse metaindividual[18].
Importante não olvidar aqui que, proposta a ação pelo legitimado do art. 82, inc. IV, do CDC, a extensão dos efeitos da sentença favorável alcançará inclusive os que não pertençam ao quadro da Associação que propôs a ação em razão da indivisibilidade do objeto da demanda.
Por fim, o CDC inovou com singularidade com relação à imutabilidade dos efeitos da sentença quanto aos interesses individuais homogêneos. Nesse terreno, nos termos do art. 103, inc. III daquele Estatuto, os efeitos operam-se erga omnes apenas para o caso de procedência do pedido.
Em razão de esses interesses serem perfeitamente divisíveis e determináveis os seus sujeitos de direito, o que une estes como potenciais beneficiários na ação proposta coletivamente é tão-somente o fato de os múltiplos e possivelmente distintos danos a eles atribuídos originarem-se de um descontentamento causado por um fato comum. Isso sugere que, ainda que possam ser beneficiados com uma sentença positiva, os interessados individualizados não estarão sujeitos à extensão dos efeitos de uma sentença de mérito improcedente, havendo que se preservar íntegra a possibilidade de proporem as ações próprias com todas as armas de que disponham. Com efeito, “a decisão desfavorável proferida na ação coletiva constituirá um simples precedente, mais ou menos robusto conforme o caso, mas não será o fenômeno da coisa julgada que impedirá o ajuizamento de ações individuais[19]”.
A restrição da extensão dos efeitos da sentença aos “representados adequadamente” somente na hipótese de procedência do pedido revela-se, na verdade, como uma espécie de coisa julgada secundum eventum litis, denominada coisa julgada in utilibus, que, vale dizer, somente atingirá a todos se [...] o resultado for útil aos interessados[20]. Registre-se que o detentor de interesse individual homogêneo objeto de demanda coletiva será beneficiado pela sentença procedente sem necessidade de nova sentença condenatória, podendo se habilitar nos autos já em fase de liquidação, devendo individuar seu prejuízo e relacioná-lo com o objeto do processo coletivo. Ocorre aqui, além da extensão subjetiva do julgado, a ampliação do objeto do processo, ope legis, passando o dever de indenizar a integrar o pedido, exatamente como ocorre na reparação do dano ex delito, em que a decisão sobre o dever de indenizar integra o julgado final[21].
Exposta a disciplina da coisa julgada nas ações que envolvem interesses metaindividuais traçada pelo CDC em seu art. 103 e seguintes, a assertiva que se impõe a guisa de conclusão é que esse instituto, concebido sob o paradigma da “singularidade da tutela jurisdicional”, teve que passar por um processo de relativização para poder servir à causa coletiva. Isso porque, como bem observou Cappelletti, “em matéria de conflitos transindividuais, os tradicionais limites subjetivos da coisa julgada ‘caem como um castelo de cartas[22]”.
[1] Promotor de Justiça em Alto Parnaíba/MA
[2] Liebman, Eficácia e autoridade da sentença apud MAZZILLI, Hugo Nigro, A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, __ª edição. Editora, local, p. 343.
[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do código de processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.28.
[4] Típicos do Estado Social, a imposição desses direitos marcou a queda do liberalismo e representou a efetivação do ideal de liberdade que exigia do Estado posturas positivas para prover o que depois passou a se chamar direitos de segunda geração. Aqui nascem os direitos às prestações materiais presentes hoje na maioria das Constituições, tais como saúde, educação, segurança e assistência à família.
[5] Os direitos que se desenvolvem como contorno à efetividade da locução solidariedade são bem situados na percepção de Paulo Bonavides quando afirma: “Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. [...] Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade” (Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2004. p.569).
[6] GRINOVER, Ada Pellegrine. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 7ª Ed. Rio de Janeiro e São Paulo: Forense Universitária, 2001, p.834.
[7] Lei nº 7.347/85, art. 5º.
[8] A restrição dos efeitos da sentença aos “limites da competência territorial do órgão prolator” foi inserida no ordenamento jurídico pela Medida Provisória nº 1.570/97, depois convertida na Lei nº 9.494/97. A doutrina é unânime quanto à imprestabilidade do dispositivo para o fim pretendido pelo Poder Executivo que o concebeu, de limitar o efeito erga omnes às unidades da federação em que atuasse o órgão jurisdicional, pois: a uma o texto restringiu-se ao efeito “erga omnes”, fazendo com que sua regulação atenha-se somente ao interesse difuso, no máximo ao coletivo stricto sensu por aplicação analógica, mas nunca ao interesse individual homogêneo; a duas, essa inovação desconsiderou que a regra de competência das ações coletivas é estabelecida pelo próprio CDC em seu art. 93 que a fixa na Capital do Estado ou no Distrito Federal em caso de danos regionais ou nacionais; a três, a nova redação do art. 16 padece de boa técnica, pois o âmbito de abrangência da coisa julgada é delimitado pelo pedido e não pela competência.
[9] Lei nº 7.347/85, art. 16.
[10] Seria mais tecnicamente adequado falar-se em “substituído processualmente”.
[11] Lei nº 7.347/85, art. 5º, §1º (Lei da Ação Civil Pública) e Lei nº 4.717/65, art. 6º, §4º (Lei da Ação Popular).
[12] A lei trata aqui de interesses difusos e coletivos stricto sensu, pois remete o leitor aos incisos I e II do art. 103, que trata dos efeitos erga omnes e ultra partes da sentença.
[13] VIGLIAR, José Marcelo Meneses. Ação Civil Pública. Ed. Atlas. [...] p. 105.
[14] Interesses ou direitos difusos são os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; interesses ou direitos coletivos são os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; e interesses ou direitos individuais homogêneos são os decorrentes de origem comum.
[15] O art. 104 do CDC: “[...] os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva”.
[16] GRINOVER, ob. cit. p. 856.
[17] GRINOVER, p. 853
[18] Os sujeitos de direito nos interesses coletivos stricto sensu são sempre determinados ou determináveis, pertencem a um grupo definido, categoria ou classe, são detentores de direito indivisível e estão sempre ligados entre si ou com o demandado por uma relação jurídica base.
[19] GRINOVER, ob. cit. p. 857/858.
[20] VIGLIAR, José Marcelo Meneses, ob. cit. p. 105.
[21] GRINOVER, ob.cit. p. 858/859.
[22] CAPPELLETTI, Mauro. apud MAZZILLI. ob.cit. p. 35.